Certo dia apareceu um gato no telhado do
prédio vizinho ao meu, até aí tudo bem, gatos vivem em telhados mesmo, mas o
que ninguém sabia era que aquele visitante se tornaria uma peça muito
importante em nossas vidas. A partir daquele momento em diante, nasceria uma
grande amizade entre um menino e um felino.
Zezinho, o meu filho e a garotada do prédio
logo se encantaram com o animal, apesar do bichano estar um pouco maltratado,
era brincalhão.
As crianças começaram jogando pedaços de pão
pro gato, depois ração que roubavam da minha cadelinha Cindy, que não estava
gostando nada dessa brincadeira e nisso o gato foi ficando. O problema é que se
passaram dias e nada do gato ir embora, logo surgiu uma dúvida, será que esse
gato não estava preso no telhado? Esse telhado ficava abaixo do meu andar e na
lateral colado com a minha área de serviço tinha outro telhado mais alto que o
primeiro, onde o gato corria livremente pra pegar a ração que as crianças
jogavam para ele. O difícil era dar água para o gato, mas logo Zezinho deu um
jeito, o lugar mais próximo pra chegar ao felino era da janela da área de
serviço de casa, então ele amarrou uma panelinha de alumínio na ponta do cabo
de um bambu, pra levar água e ração até o gato, que se fartava de comer ração e
tomar leite com pão, mas o que o gato gostava mesmo era quando Zezinho jogava
da área de serviço as bolinhas de ração pra ele pegar no telhado debaixo. O
gato agarrava de primeira, abocanhando as bolinhas de ração com uma agilidade
incrível, o bichano não perdia uma, pulava de lado, rolava no telhado, mas era
difícil ele deixar escapar as bolinhas, por essa razão Zezinho passou a chamar
o gato de Júlio César, em homenagem a um goleiro da nossa seleção.
Zezinho e o gato do telhado se divertiam muito
e quando o gato deixava a ração escapar, o show era melhor ainda, ele corria
feito um louco atrás da ração por todo telhado e assim o gato Júlio César se
tornou parte da nossa família.
Logo pela manhã, assim que abríamos o vidro da
área de serviço, era a carinha do felino goleiro que procurávamos primeiro e lá
estava ele esperando a sua refeição matinal, com os olhos vidrados em nossa
janela. Assim que via Zezinho, se aproximava correndo pra nossa janela em um
miado manhoso, em um lamento constante, lambendo a boca avisando que estava
faminto. Ele era muito engraçado e não tinha quem não se apaixonasse pelo gato
siamês, olhos azuis brilhantes feito cristal, pêlo mesclados de cinza claro e
escuro, a calda não parava de acenar e estava sempre ronronando como se tivesse
a conversar, no entanto tinha um problema, era que quando chovia ficávamos com
muita pena de Júlio César, porque não tinha como ele pular para o corredor do
nosso prédio e nem muito menos entrar pela área de serviço do nosso
apartamento, pra isso era preciso que tivesse asas. Um dia, meu marido,
preocupado arranjou umas tábuas com o zelador, ligando o telhado com o nosso
corredor fazendo uma ponte pro gato passar. Ele, muito arisco e desconfiado
ficou um bom tempo cheirando as tábuas, Zezinho achou que ele estava com medo,
afinal a distância não era tão pequena e o precipício que ficava logo abaixo
era profundo, até que alguém teve a ideia de colocar um peixe como isca, na ponta
dessa tábua forçando o bichinho a subir na ponte improvisada. Deixamos as
portas da portaria abertas e esperamos, até que atraído pelo cheiro do peixe o
gato escalou a tábua meio trêmulo, devagarzinho quase agachado chegou à outra
extremidade da ponte, só foi mesmo o tempo de dar uma paradinha pra roubar o
peixe e sair correndo feito uma flecha andares abaixo, porém não demorou muito
eis quem aparece, o felino outra vez no telhado, ainda se deliciando com o
resto do peixe e foi assim que descobrimos com grande alívio que o bichano não
estava preso no telhado.
Com o tempo, descobrimos também como Júlio
César chegava até ali. No fundo do nosso prédio tinha um estacionamento e era
por onde ele subia e ia escalando os telhados vizinhos até o telhado ao lado da
janela da minha área de serviço, de forma que ele vinha e ia quando queria, mas
mesmo assim ficávamos penalizados com o animal, porque ele não saía mais dali,
era sol, era chuva e o gato não arredava do telhado.
Nesses dias chuvosos Zezinho alimentava Júlio
César e brigava com ele pra sair da chuva. Tinha uma parte sobressalente de
telhas que saía de um telhado da garagem, que dava pra ele se abrigar da chuva,
mas de lá não dava pra ver o Zezinho e quem disse que o bichano obedecia,
ficava lá no telhado abaixo da nossa janela, nem piscava, todo molhado. Meu
marido ainda tentou pega-lo algumas vezes se equilibrando em cima da janela,
mas o gato era muito arisco e fugia pro telhado debaixo, assustado. Não tinha
jeito, tínhamos que fechar a nossa janela, sofrendo e vendo o gatinho se molhar
até a alma. O pior era que Júlio César estava com uma ferida muito feia em uma
das patas, deve ter sido conseqüência de brigas com outros gatos. Apesar do
felino ser arisco, Zezinho, do jeito dele tentou colocar remédio em seu
machucado. Com a ajuda de uma vara de pescar fez com que o animal pensasse que
fosse uma brincadeira, ficava riscando a vara no telhado atiçando o gato, só
que na ponta da vara de pesca ele prendeu uma bola de algodão umedecido com a
solução de violeta. De princípio o animal ficou desconfiado, mas o menino
insistiu e o gato curioso como que, não demorou muito e lá estava ele correndo
atrás da bola de algodão. Quando ele se aproximava Zezinho dava um jeito de
encostar a bola com o remédio pelo corpo do animal, apesar de que até ele
conseguir passar o remédio na ferida, o gato ficou todo tingido de violeta.
Esse dia foi muito engraçado, mas no final Zezinho conseguiu cuidar da ferida
de Júlio César.
Os dias foram se passando, com Zezinho e o
felino siamês cada vez mais próximo, agora mais aliviado, porque não
precisávamos chamar os bombeiros para tirar o gato do telhado.
Descobrimos que ele era da moça da loja de
conveniência a alguns telhados dali, mas na loja ele também não ficava preso.
Á noite e nos finais de semana ele sempre
escapava por uma abertura do depósito dessa loja, pra ficar brincando com
Zezinho. O gato do telhado estava cada vez mais lindo, antes era magrinho,
cheio de feridas, com as costelas visíveis, tinha um miado triste, agora estava
forte, com o pêlo brilhante, estava bem tratado, dava pra ver que ele estava
feliz. O lugar que Júlio César mais gostava de ficar era na parte mais alta do
telhado, colado com a nossa área de serviço. Ele ficava deitado manhosamente
tomando sol, vigiando o movimento do corredor, esse era o único canto do
telhado que Zezinho quase que podia tocar o felino, isso é, se ele não fosse um
gato tão arisco, mas o que não faltava em Zezinho era paciência e ele insistiu.
Levou um tempo para que animal permitisse que o menino fizesse um breve carinho
com as pontas dos dedos em sua cabeça, nesse dia a emoção do garoto foi grande,
o sorriso e os olhos brilhantes demonstravam o seu contentamento. Zezinho subia
na janela todos os dias e esticava os bracinhos tentando chegar mais perto do
gato siamês, conversava com ele tentando conquistar a sua confiança e quando
seus dedos estavam a pouca distância, o bichinho fugia assustado pra longe do
menino, até que um dia Zezinho teve uma surpresa, assim que ele esticou o
bracinho pra acariciar o animal, esse não fugiu e finalmente aceitou o carinho
do amigo e essa amizade durou anos com o felino no telhado e Zezinho na janela
da área de serviço. Claro que quando vimos Zezinho se equilibrando na janela
pra ver o gato no telhado ao lado levamos um choque e como ele era levado não
obedecia, então instalamos uma grade na janela, com medo que ele despencasse
janela abaixo.
Quando precisávamos sair ou viajar, Zezinho
fazia um drama, porque não queria deixar o bichano sozinho, ele tinha a ilusão
que o gato era dele, chorava dizendo que não ia e não adiantava eu e o pai
dizer que o gato era livre e além do mais ele tinha casa e uma dona que podia
cuidar dele, mas não, Zezinho não queria nem ouvir, era uma choradeira sem fim,
batia o pé dizendo que o gato sem ele morreria. Tentava convencer eu e o pai a
todo custo, a deixá-lo em casa tomando conta do gato, o pai dizia não e
ordenava que fosse se preparar para sair com a família senão ia pedir para a
dona do gato prende-lo em casa, diante dessa ameaça Zezinho não tinha outra
escolha, não podíamos sair e deixar um menino de sete anos sozinho em casa, ele
estava muito apegado ao gato e isso nos preocupava um pouco, com medo que ele
sofresse quando o animal fosse embora, mas mesmo assim o menino não deixava
Júlio César desamparado, deixava um coleguinha encarregado de cuidar do
bichinho, explicando que não podia esquecer-se de dar água e o leite dele todas
as manhãs e era com muita pesar que Zezinho saia de casa. Ração, qualquer
vizinho podia jogar para o gato, que ele agarrava. O pior era a água e o leite,
que só podia dar da nossa área de serviço.
Enquanto estávamos fora Zezinho não relaxava,
preocupado se perguntava:
__ E se o meu gato se machucar, quem vai
cuidar dele? Perguntava o menino triste, por ter deixado o animalzinho sozinho
no telhado, mas a aflição maior de Zezinho era nos dias de chuva, era de cortar
o coração a carinha dele olhando pro gato todo ensopado, a chuva caindo e o
bichano lá com os olhos fixos em nossa janela. O menino entristecido fechava a
janela, pra que o gato fosse embora e mesmo assim o bichinho ficava um bom
tempo ainda esperando o menino aparecer na janela.
O tempo passava, com o animal e o menino cada
vez mais ligados, passando o felino há ficar mais tempo no telhado, do que na
casa de sua dona. Quando Zezinho chegava da escola, mal apontava no corredor, o
gato no telhado já começava a fazer festa, corria sobre as telhas acompanhando
Zezinho, que corria também pelo corredor. O bichano ia tentando alcançar o
menino. Cada um corria de um lado, o gato atendendo o chamado do menino corria
miando, balançando a calda, feliz o acompanhando até ver o menino entrar em
casa, depois ficava esperando no telhado chegando o mais perto que podia da
janela da área de serviço, tão perto que estava perigando qualquer dia Júlio
César cair do telhado, essa era a hora de dar água e mais um pouco de ração pro
gato. Zezinho fazia questão de comprar uma ração especial pra gatos, que
tivesse muitas vitaminas, afinal o gatinho não podia ficar doente. As primeiras
rações, agora o felino feliz comia direto nas mãos de Zezinho e só quando o
bichano estava com a barriguinha bem cheia, porque ele comia tanto, que se
lambuzava paparicado pelo garoto. Eles iam brincar de jogar ração, o gato muito
malandro ia agarrando as bolinhas e ia pondo de lado. Mais tarde, quando dava
fome só se ouvia o barulho do crack, crack do gato, comendo o resto da comida,
no telhado.
Essa amizade durou alguns anos, até que um dia
Júlio César sumiu. Zezinho ficou triste na janela esperando o gato aparecer,
passava o dia chamando pelo nome do gato e nada dele vir. Preocupado foi até a
loja da sua dona encontrando o comércio fechado, descobrindo que eles tinham se
mudado. O gato do telhado tinha ido embora deixando Zezinho na saudade, mas
depois de um tempo o felino voltou para visitar Zezinho, o menino ficou em uma
grande alegria, ria e chorava ao mesmo tempo em rever o gato do telhado, só em
saber que ele estava vivo e com saúde, Zezinho hoje quase um rapazinho ficou
muito aliviado, mas o gato não se esquecia de Zezinho e volte e meia ele surgia
trazendo alegrias com suas brincadeiras, correndo atrás das rações pelo
telhado, fazendo o menino outra vez sorrir.
Foram muitas idas e vindas. Com o tempo as
visitas foram diminuindo, quando o bichinho chegava demonstrava cansaço, o
tempo tinha passado e Júlio César tinha envelhecido, afinal sua nova casa
ficava agora em outra cidade, de forma que a sua dona também era importante
para o gato, até que um dia o gato do telhado desapareceu de uma vez
deixando muitos momentos felizes registrados em nossas lembranças.
Ainda ontem vi Zezinho, pai de família,
revendo com carinho as fotos do gato do telhado.
Os animais são como as pessoas queridas, que
passam por nossas vidas deixando muitas, muitas saudades.
Obs: baseado em uma história real. Os nomes dos personagens desta
história foram modificados.
Dilma Lourenço Moreira
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