Celestino é um homem
muito trabalhador, levanta-se antes das cinco horas da manhã, prepara sua
marmita e seis horas já está na rua, em sua bicicleta a caminho da construção
civil.
Ele
é um pedreiro de mão cheia, como se diz lá no nordeste de Pernambuco, é sempre
o primeiro a chegar e o último a sair da construção, com ele não tem tempo
ruim, o patrão confia cegamente em seu trabalho, faça chuva ou faça sol
Celestino não é homem de fugir das responsabilidades, já ajudou a construir
muitos prédios, hospitais, bancos, escolas, etc. Não falta um só dia com suas
obrigações, essa é a sua rotina já há alguns anos.
Aos
domingos, dia de folga, passa ouvindo radinho de pilha, sua única diversão.
Lava as poucas roupas que possui, rapidamente e vai escrever cartas para a
esposa, que deixou em Pernambuco, com cinco filhos. A seca lá estava brava, até
os gados estavam morrendo, que dirá o povo, que mal se agüentavam de fome e de
sede. Muitas noites, Celestino e a esposa dona Manuela passavam em claro
procurando uma solução que os salvasse da seca, não tem nada pior para um pai
de família, do que ver as panelas vazias, seus filhos chorando com fome, sem
poder oferecer um pedaço de pão.
Em
uma dessas madrugas, sentindo o estômago doer de fome, Celestino comunicou a
dona Manuela, sua esposa, que iria para o sul em busca de trabalho. Do roçado
nada crescia, as poucas criações que possuíam, também já tinham se ido e antes
que a morte batesse em sua porta, Celestino partiu em busca de solução.
Beijou as crianças, a
esposa com o rosto banhado em lágrimas, prometendo a dona Manuela que assim que
chegasse em
São Paulo mandaria notícias. Colocou a trouxinha nas
costas e mal o dia tinha nascido e o pai de família já estava na estrada
tentando pegar carona para o sul. Nisso, levou duas semanas dormindo em
marquise de lojas, bancos de praças e quando enfim chegou a São Paulo, de
madrugada, graças às generosidades dos caminhoneiros que o deixou na rodoviária
onde pernoitou, deu uns cochilos e quando o dia amanheceu saiu em busca de
emprego, onde também pudesse dormir, por sorte arranjou naquele mesmo dia um
emprego na construção civil, que dava alojamentos. No fim do dia escreveu para
a mulher, contando que tinha chegado bem e já estava trabalhando, o patrão
quando ficou ciente de sua situação adiantou um vale, o que lhe deixou ainda
mais animado, pois de fome os seus filhos não iam morrer e assim o tempo foi
passando. Todo dinheiro que pegava mandava pra casa, durante o dia, enquanto
passava na lida era tranqüilo, porém as noites eram frias e solitárias, em seu
peito amargava a saudade de sua amada Manuela e de seus cincos filhinhos que
deixou lá no nordeste, às vezes a solidão batia forte e avalanches de lágrimas banhavam
o travesseiro, mas tinha fé que um dia ainda iria voltar pra sua terrinha e pra
sua família.
A
esposa dona Manuela, que ficou lá no nordeste, também se sente solidaria, chora
todos os dias sentindo saudades do marido, não tanto quanto o Celestino, porque
ela, pelo menos tem a companhia das crianças. Quando alguém lhe perguntava como
ela suportava viver longe do Celestino, ela lhe respondia que estavam separados
apenas de corpo, porque em pensamento e coração, estavam juntos. O amor os
unia, apesar da distância e assim iam vivendo, e o tempo foi passando e nada de
Celestino poder voltar para o nordeste, pois todo o salário que ganhava mandava
para esposa, que gastava no sustento das crianças, pois agora estavam na escola
e a despesa só fazia aumentar. Os cabelos de Celestino foram ficando grisalhos
e apesar de tanto que trabalhava, o dinheiro não rendia, os filhos foram
crescendo e cada um se debandando para um canto, também em busca de uma vida
melhor.
Celestino,
com a idade avançada, adoeceu. Não aquentava mais trabalhar, o pouco que
conseguia mal dava para se sustentar. Triste, envergonhado, perdeu o ânimo de
viver, não escrevia mais para a família, pois já não tinha mais o que oferecer.
Deitado
em seu casebre, magro e velho Celestino se deixou ficar esperando, só mesmo a
morte chegar. Até que um dia ouviu alguém batendo palmas no portão. Mal tinha
forças para se levantar e ver quem estava chamando, quando ouve uma voz
familiar vindo de lá de fora.
__
Hô de casa!!! Hô de casa!!!
Celestino
reconhece aquela voz, de pronto, e com o coração acelerado abre a porta do
humilde casebre. Era ela mesma, Manuela. Sentiu como se o sol tivesse invadido
sua alma.
__
É você mesmo, Manuela?
__
Sou eu, homem! Em carne e osso, vim te buscar!
Celestino,
surpreso chegou mais perto, mal acreditava no que via, precisou tocar em sua
pele, acariciou seus cabelos e só assim, emocionado pegou a esposa em seus
braços.
__
O que está fazendo aqui, mulher?
__
Meu velho! As crianças cresceram e hoje cada um cuida de suas vidas. Você parou
de escrever, não agüentei a solidão e vim te buscar.
__
E fazer o que lá, mulher, se a seca continua matando. Eu vi ontem no noticiário
da tevê, e ainda mais agora que estou doente e não posso trabalhar.
Celestino
se senta, envergonhado na tosca cama, segura as mão da esposa e continua a
falar desanimado:
__
Me perdoe! Eu fui um fracasso! Vim aqui pra essa terra em busca de uma vida
melhor, trabalhei a minha vida inteira e nada tenho.
__
Você trabalhou a vida inteira para criar os nossos filhos, se sacrificou para
que eles estudassem e tivessem uma profissão, hoje eles são homens responsáveis
e pais de família, você acha isso pouco? E além do mais agora temos a nossa
própria terrinha, não precisamos trabalhar pra mais ninguém, com o dinheiro que
você mandava para alimentar e educar os nossos filhos dava e até sobrava e com
essas sobras fui juntando e comprando em terras e animais, a lavoura desse ano
não foi boa, mas é mais que o suficiente pra sustentar nós dois.
__
Não sei não, às vezes fico pensando que poderia ter sido diferente. Será que
foi certo o que eu fiz? Será que não me precipitei? Não tive o direito nem de
ver os nossos filhos crescerem, o que será que eles pensam de mim?
__
Meu querido, se você não tivesse vindo naquela época pra São Paulo teríamos
todos morridos a míngua, você fez o que qualquer pai de família faria se
tivesse em seu lugar. Na verdade, você salvou as nossas vidas, pra mim e pros
nossos filhos você é um herói. De hoje em diante, vida nova. Vamos aproveitar
esse nosso resto de vida, pra ficar mais tempo ao lado dos nossos filhos e
netos que estão chegando. A vida nos separou por muitos anos, não vamos
desperdiçar esse tempo que temos agora, que a meu ver é um bônus de Deus, com
amarguras se lamentando o tempo que se foi. Esse passou por nós como o vento e
não tem como retroceder, o importante que vencemos, pois ainda estamos aqui
vivos. Superamos fomes, dores, saudades e muita solidão. Agora,
restamos só nós dois, igual quando começamos, lembra? Os dois ficaram se
olhando por um tempo, em seguida soltaram uma gostosa gargalhada.
Manuela
segurou a mão de Celestino com carinho, dizendo:
__
Venha, meu velho! Vamos voltar para nossa terra, nossos filhos e netos nos
aguardam ansiosos.
Quando
Celestino chegou a sua terrinha, depois de muitos anos sonhando com o retorno
ao lar, seus olhos encheram de lágrimas. A casinha pintada de branco, a lavoura
e a horta verdinha, a brisa correndo sem freios sobre as plantações, os animais
pastando tranquilamente, abarcando um punhado de terra nas mãos, ainda
incrédulo, como se quisesse constatar que realmente o que estava vivendo era
real. Manuela abraçou o marido, também emocionada.
__
Veja, meu velho! O que o seu trabalho nos proporcionou, sua ida pra São Paulo
não foi em vão, além de ter criado os nossos filhos, dessas terras vamos tirar
o nosso alimento, é o que vai nos manter em nossa velhice.
Logo,
a porta do casebre se abre e um bando de gente sorridente vem os receber.
Manuela
diz orgulhosa.
__
Essa é a nossa família, meu velho! Filhos, noras e netos, eu avisei da tua
chegada e eles vieram te felicitar.
Celestino
não sabia se ria ou chorava. Quando saiu de casa, deixou todos ainda pequenos,
abriu os braços e acolheu todos os filhos em um só abraço, a emoção foi geral.
Manuela
chega afastando a tristeza.
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Chega de tanta choradeira, minha gente, hoje é dia de comemoração, o pai de
vocês está de volta ao lar, de hoje em diante, aqui nesta casa só vamos ter
felicidades.
Celestino
sentou em sua velha cadeira de balanço, com os filhos a sua volta.
Um
dos filhos pergunta, preocupado.
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O que foi pai? Não está feliz por ter voltado para casa?
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Estou mais que feliz, sonhava com esse momento todos os dias. Quero aproveitar
para pedir perdão, por não ter acompanhado o crescimento de você de perto, mas
como vocês bem sabem, eu não tive alternativa, aqui não tinha emprego e da
terra nada se podia tirar, por causa da seca, eu não podia cruzar os braços e
ver a minha família passando fome. Espero que vocês me compreendam que eu fui
obrigado a tomar essa decisão.
Apesar
de Celestino estar se sentindo culpado, por passar tanto tempo longe de sua
família, chora de satisfação diante dos filhos crescidos. Esses, um por um vão
se chegando, formando um novo abraço coletivo em volta do velho pai. Depois de
um tempo, a emoção controlada, um dos filhos diz, abraçando amorosamente
Celestino.
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Pai, o senhor não tem que se sentir culpado, o maior sacrificado foi o senhor,
nós só temos a te agradecer por tudo que fez por nós. Viveu todo esse tempo no
sul, sozinho, longe da gente, trabalhando para nos sustentar e nos manter
estudando, hoje somos formados, temos uma profissão, graças ao senhor. Agora, é
a nossa vez de cuidar do senhor.
Dos
olhos do pai se via o lampejo de orgulho, em ver os seus filhos crescidos,
unidos ao seu redor e feliz por estar de volta ao aconchego do lar.
Dilma
Lourenço Moreira
Gostei muito da história, temos que acrditar e ter esperança sempre.
ResponderExcluirAbraço.