Olha
lá o senhor Manuel sentado todo borocochô no banco da praça. Quanta tristeza se
esconde em seu olhar, agora ele está sempre assim, com o pensamento longe, não
se importa mais com o burburinho que corre a sua volta.
Em
casa também está assim, a sala está cheia de filhos e netos, mas o senhor
Manuel está sempre ausente, não conversa mais, sempre triste pelos cantos. Se a
filha coloca a comida na mesa ele come, mal olha o que tem no prato, lentamente
vai mastigando todo alimento sem demonstrar nenhuma emoção, em seguida sai
suspirando profundamente, sentindo o peso da melancolia volta ao banco da praça,
os pássaros cantam animadamente ao seu redor.
Por
algum momento o senhor Manuel desperta do torpor que se encontra, lembrando-se
do tempo de criança quando caçava os passarinhos com estilingue na floresta, esse
pensamento o faz sentir dor na consciência e lamenta o mal feito, pensando alto.
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Quando se é moleque é capaz de fazer cada crueldade, onde já se viu matar a
pedrada um animalzinho inocente como esse.
O
homem entristecido, com lágrimas nos olhos continua admirando o canto da ave, nunca
admitiu que seus filhos fizessem tal coisa, seus netos idem. Continuava pensando
alto Manuel.
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Graças a Deus eles são de uma nova geração mais esclarecida, aprenderam que
nunca se devem maltratar os animais.
Não demora Valmir, um amigo de longa data se
aproxima.
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Como vai Manoel? Falando com seus botões?
Esse
se limita a responder, com uma careta.
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É impressão minha ou você anda meio pra baixo, amigo?
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Valmir! Ando mesmo é cansado dessa vida!
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Mas por que Manuel, o que te falta?
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Pois é justamente isso mesmo, não me resta nada mais a fazer nessa vida!
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O que é isso Manuel, parece que você está no meio de uma crise de depressão?
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Depressão? E que diabo é isso?
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É justamente esse desanimo que você está sentindo! Uma tristeza muito grande
que se apossa de nossa alma! E se não se cuidar amigo, termina indo mais cedo
pro buraco.
O
senhor Manuel com o olhar ao longe responde deixando cair uma lágrima.
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Pois é isso mesmo que eu quero, morrer. Minha família não liga mais pra mim, não
tenho mais mulher, tudo que me resta são esses malditos comprimidos, me sinto empanturrado
de tantos que já tomei. Se de um lado
eles me salvam, do outro me prejudicam. Tem dia que amanheço com vontade de jogá-los
todos fora, assim a morte me abraça mais cedo.
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Calma Manuel! Você agindo assim está indo contra a lei de Deus, isso se chama suicídio,
lembra-se do mandamento não matarás, se foi Deus quem te deu a vida, só ele
poderá tirar. Não se preocupe amigo, estou aqui para te ajudar! Vou te levar em
uma reunião que frequento há anos, ou você acha que eu também nunca tive depressão?
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Pra mim isso é uma novidade Valmir, você com depressão? Sempre te vejo alegre, sorridente,
vive rodeado de amigos, contando piadas.
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Hoje sou assim, depois que me curei da depressão sou um novo homem. Quando completei
80 anos coloquei na cabeça que a minha vida estava no fim, dividi os bens que tinha
entre meus filhos, zerei minha conta no banco, tudo que restou para administrar
era a minha aposentadoria que não era lá grande coisa, pensava justamente igual
a você, que eu já tinha feito de tudo nessa vida, que nada mais me restava, até
meu túmulo deixei pronto ao lado da minha cara metade que me deixou há alguns
anos, só faltou mesmo comprar o caixão, mas voltando ao assunto, há alguns anos
atrás passei por uma depressão brava, minha filha me vendo em toda aquela
tristeza quase se desligando do mundo me levou a um geriatra, tomei remédios
por alguns meses, me curei da depressão diagnosticada e por recomendação do
próprio médico passei a frequentar reuniões onde ouço palestras de autoajuda e otimismo,
é um lugar animado e feliz, onde as pessoas se reúnem trocando suas experiências
de vida.
Manuel
olha pro amigo, desconfiado.
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Valmir! Você está falando da reunião da terceira idade? Um bando de velhos
barulhentos que acham que são adolescentes?
Valmir
fica penalizado com a situação do amigo.
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É meu amigo, você está mal mesmo, amanhã mesmo vou te levar em uma consulta com
o meu geriatra.
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Não precisa Valmir! Não sinto dor nenhuma, é apenas um cansaço, desanimo, coisa
de velho!
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É aí que você se engana Manuel, depressão não atinge apenas velho, atinge crianças,
jovens homens e mulheres de todas as idades. É uma doença grave que pode te
levar a morte se você não procurar ajuda. O que você prefere? Ficar se
lamentando aí nesse banco até que a morte te leve, ou viver o pouco de vida que
te resta, com qualidade?
Valmir
faz uma pequena pausa para analisar o efeito de suas palavras, no entanto
esbarra com o amigo apático sem expressão no olhar.
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Manuel! Manuel! Está combinado assim, amanhã há esta mesma hora passo aqui para
te acompanhar ao geriatra.
Valmir
se despede quando ouve Manuel dizer, rancoroso.
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Na consulta eu até vou! Agora você nunca vai me ver nessa reunião de velhos bobos,
parecem uns palhaços fingindo que são jovens! E não venha dizer você também que
a idade está no espírito, pra mim isso é papo de velho querendo justificar o seu
assanhamento.
Valmir
não resiste, solta uma gostosa gargalhada diante da carranca de Manuel.
O
tempo passou e hoje vamos encontrar um Manuel diferente, sentado na mesma praça
em grupo de amigos. Mais corado, mais falante, feliz com a vida.
O amigo Valmir se aproxima.
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Manuel! Que bom revê-lo!
__
A satisfação é toda minha, amigo Valmir!
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Vejo que você está curado da depressão.
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Sim! Com os remédios e mais o acompanhamento psicológico não sofro mais dessa doença,
voltei a conhecer os prazeres da vida, aprendi a viver o agora. Na minha idade
o importante é o presente, o meu futuro é construído a cada amanhecer. Sou
grato a Deus por cada suspiro dessa vida, de hoje em diante passarei a usar esse
pouco tempo que me resta com mais sabedoria. Quando se é jovem achamos que
temos o mundo aos nossos pés e saímos atropelando tudo e todos que encontramos
pela frente com a ânsia de construir o futuro, hoje, parando para pensar me
vejo um jovem tolo desperdiçando a verdadeira essência da vida que é
simplesmente ser feliz, a busca dos bens materiais se torna um foco diante dos
olhos dos jovens, termina que ficam meio que isolados do mundo, trancafiados, atados
em seu próprio interior.
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Você tem razão Manuel, de tudo fizemos nessa vida. Umas certas, outras erradas,
mas enfim é passado e se ainda nos resta um pouquinho de vida é porque fomos abençoados
por Deus, vamos aproveitar esse tempo para corrigir nossas atitudes erradas.
Olha só que dádiva, tempo para sanar nossas falhas, quando muitos morrem ainda jovens
sem tempo de sequer pedir perdão aos seus desafetos, chegar à idade senil não é
um castigo como muitos pensam, é uma benção! Sendo assim, só nos resta divertir.
Valmir,
feliz com a recuperação do amigo dá um forte abraço em Manuel.
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Falando em se divertir Manuel, hoje, na associação da terceira idade tem baile,
o tema é os anos 60. Lá é muito divertido, vamos?
Manuel
olha pro amigo sorrindo sem graça.
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Me desculpe Valmir, mas acho que já passei da idade, um bom livro já me diverte.
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Há sim, nada melhor que uma boa leitura! Mas de vez em quando devemos viver as
emoções para nos sentir vivos. Vamos lá Manuel, é só um baile! Para com esse
preconceito de achar que grupo de terceira idade são idosos fingindo que são
adolescentes, são apenas senhores e senhoras aproveitando a vida. Muito justo, depois
de passarem a vida toda ocupados e preocupados com a família, hoje eles saem
para se divertirem com a certeza do dever cumpridos, cientes que não são mais adolescentes e sim pessoas idosas que
estão aproveitando a chance de serem felizes!
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Mas o que tanto comemoram?
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A saúde, a vida! Muitos até mais novos que eles estão paralíticos e jogados em
uma cama dependendo da caridade humana. Se não é isso, é a memória que está
perdida num buraco negro e profundo, só o fato de alguém não se encontrar nesse
estado já é motivo de comemoração sair por aí sorrindo, viajando, dançando com
a vida.
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Tá bom Valmir! Vou nesse baile apenas para te agradar.
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É isso aí amigo! Somos aposentados,
filhos criados! Só nos resta cair na pista e nos divertir até o por do sol.
No
dia seguinte Manuel e o amigo se encontram no salão. Valmir está fantasiado de
Elvis Presley.
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E aí amigo, não quis por nenhuma fantasia?
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Estou fantasiado de mim mesmo, ora bolas! Responde Manuel, irritado com o
volume da música.
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Se solta Manuel, o salão está pegando fogo.
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Fogo, fogo! Grita Manuel procurando a porta de saída.
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Calma homem! É maneira de falar! Relaxa e se diverte.
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Como se isso fosse possível! Essa música está alta demais, pra todo canto que
olho é um assombro, essas máscaras são feia demais, estou assustado!
Conclusão:
Manuel tanto reclamou que Valmir o levou para casa.
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Desculpe amigo, estraguei a tua noite! Esse é o seu jeito de se divertir, não o
meu! Eu tenho outro estilo de vida, sou pacato, tranquilo, gosto de me sentir
em paz, estar bem comigo mesmo! Não preciso de folia, agitação para me divertir.
Felicidade pra mim é sentir tranquilidade interior, espero que você não fique
bravo comigo!
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De forma alguma amigo! Respeito o seu jeito de ser, mas agora me dá licença que
vou voltar para o baile. Sou da opinião que não existe idade pra se divertir,
você tem razão, sou um velho ainda com emoções de adolescente e pretendo gastar
esse sentimento até o fim, não quero pular nenhuma etapa do meu crescimento, mas
quando eu crescer vou querer ser igualzinho a você!
Diz
Valmir sorridente, abraçando Manuel com seu jeitão peculiar.
Dilma Lourenço Moreira
Oi Dilma, ótima viagem me proporcionou neste lindo texto, que conta esta bonita história, de alguém, de mim, de ti, nós todos.
ResponderExcluirEmocionante amiga!