sábado, 26 de maio de 2012

Relato de uma vida precária





Glorinha é a terceira, de oito filhos de dona Zezé. Uma lavadeira e passadeira de roupas de mão cheia, que trabalha o dia inteiro para alimentar suas crias, tarefas essas que ficou ultrapassada, hoje em dia só em casa de ricos tem passadeira de roupas exclusiva, o que obriga dona Zezé a pegar pesado na faxina, para obter mais alguns trocados e ajudar nas despesas do lar.
Apenas com um salário da pensão de viúva que recebe do INSS não basta para alimentar tantas bocas, aliás, com a pensão e mais que ganha na faxina, mal dá para o gasto.
A vida dessa família sempre foi muito difícil, pior agora, com a morte do marido, que para completar a desgraça esse bebeu até morrer. O barraco onde moram se der um vento mais forte, periga desabar. Embora Glorinha só tenha 10 anos, na ausência de dona Zezé ela que é responsável pelos irmãos mais novos, a menina, às vezes se revolta em meio de tanta pobreza. A mãe, dona Zezé chega todos os dias com uma bolsa cheia de pães velhos e roupas usadas que ganhava das patroas.
Pra viver está muito caro e às vezes é tudo que tem para o jantar. A mãe carinhosa corta os pães em rodelinhas, espalha um pouco de margarina ou óleo e assa no forno, colhe em meio de suas plantações um pouco de folhas de melissa, preparando um gostoso chá e esta era toda a nossa ceia, assim não dormíamos de barriga vazia. Quanto às roupas usadas, o que não servia pra nós mamãe trocava no brechó da cidade, por mantimentos.
Às vezes, enquanto comemos vejo lágrimas rolarem no rosto de mamãe. Temos na mesa o básico, para não se morrer de fome, mas também aqui não se reclama por ser pobre, porque nunca ninguém conheceu vida melhor que esta. Comida boa aqui em casa só se vê nas novelas da tevê, café da manhã com fartura, queijos, frutas, leite e pão fresco, era apenas olhar com os olhos e lamber com a testa, quando desligávamos a tevê e olhávamos ao nosso redor, o contraste entre os dois mundos era triste e feio.
O bairro onde morávamos ficava longe de tudo, vivíamos isolados da civilização, às vezes tinha a impressão que só existíamos nós aqui nesse fim de mundo esquecido por Deus.
Eram esses os pensamentos de Glorinha, lançando um olhar de melancolia pela janela, enquanto banhava os irmãos gêmeos mais velhos que nasceram com síndrome de down. Eles têm doze anos, o que vale é que no mundo deles parece que são felizes. Mamãe quando chega em casa cansada, recebe uma atenção especial dos meninos Bill e Bernardo, são uns grudes de tão meigos e carinhosos, abraçam e beijam até ver brotar um sorriso no rosto sofrido de dona Zezé. Ninguém conseguia ficar triste ao lado dos meninos, mamãe se rendendo aos carinhos dos gêmeos abraça e beija-os muito retribuindo o carinho, ela costuma dizer que eles representam em nossas vidas um oásis de felicidades.
À noite, antes de dormir mamãe reza com a gente e em círculo, com todos de mão dadas ela agradece a Deus pela nossa saúde, pelo teto que abriga nossas cabeças e também pelo pão nosso de cada dia. Eu também gostava de rezar, a reza me dava calma e esperança de ainda viver dias melhores que aqueles, mas também tinha dias que a revolta me subia à cabeça, principalmente quando estava com fome.
__ Mãe! Eu não sei por que a senhora tanto agradece? Será que não seria o caso da gente pedir? Veja! O gás está quase acabando, não tem arroz, não tem feijão, a horta que a senhora tem no quintal, quando está quase na hora de colher, vem à enxurrada e carrega tudo, a bíblia mesmo, diz: “Pede, que os céus te obterás”
__ Filha, você também não ouviu falar que Deus dá o frio conforme o cobertor? O pai não dá carga maior que os filhos não possam suportar!
__ Mas mãe, se conformar com essa vida de miséria que levamos, é querer sofrer, é ser masoquista!
__ Como assim, filha?
__ Em minha opinião, só agradecemos aquilo que temos! Que Deus é esse que dá tanto a uns e quase nada a outros? A senhora acha que isso é ser justo? O que fizemos de tão horroroso, que não merecemos um bom prato de arroz com feijão, o mínimo que conseguimos é tudo com muito sacrifício, enquanto que muitos já nascem em berços de ouro!
Dona Zezé segurando as mãos da filha com carinho, pergunta:
__ Glorinha, filha querida, você se considera pobre?
__ Mãe, que piada é essa? Mais pobres que nós, só os mendigos que vivem nas ruas e não tem onde morar!
__ Pois é por isso que devemos sempre agradecer o que temos. Se voce olhar a nossa volta vai perceber que tem gente em situações bem piores que a nossa! Bem ou mal temos uma casa para nos abrigar da chuva e do vento, enquanto Deus me der saúde, bem ou mal tem sempre uma fatia de pão pra matar a nossa fome, e mais, não tem felicidade maior que voltar para casa e encontrar a família reunida a nossa espera. Quem tem família, Glorinha, tem tesouros e são poucos que sabem cultivar!



Dilma Lourenço Moreira

  















       






































             

5 comentários:

  1. Gostei da história reflexiva,serve a todos nós.
    Abraço.

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  2. Obrigada pela visita.
    Bjs. e volte sempre

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  3. Oi Dilma!
    Interessante.
    Concordo com a Fatima Zanin, que seja um instrumento de reflexão.
    Um abraço.

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  4. Óla Dilma,

    Gostei muito do seu blog, parabéns e sucesso !

    www.arenafama.com

    Ademir Palácios

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