O senhor Juca é um viúvo que saiu do nordeste
de Pernambuco para ganhar a vida aqui em São Paulo. Hoje, aposentado passa seu
tempo assistindo televisão, gosta de quase todos os tipos de filmes,
principalmente os de ação, os de karatê e de Kung Fu, deixa-o
todo animado. Ele é daqueles que ainda se impressiona com os que têm efeitos
especiais, apesar de dizer sorrindo olhando com atenção para a telinha.
__ Que
mentira da gota serena! Como esse carro foi parar em cima desse prédio? Esse
povo inventa cada uma, qual o besta que vai acreditar nisso? KKKKKKK.
Diverte-se o senhor Juca, com os exageros das cenas.
No entanto, o
mais engraçado é quando o filme é de suspense, que o senhor Juca fica o tempo
todo alertando o mocinho, para o perigo que esse está correndo.
__ Cuidado
com esse cabra aí, seu trouxa! Não está vendo que ele não é teu amigo? Olha pra
trás, o camarada aí tem uma faca escondida no bolso, se você não ficar esperto
ele vai te matar! Grita o senhor Juca, de pé diante da televisão contracenando
com os artistas principais do filme.
Senhor Juca
vibrava, vivia a cena como se fizesse parte dela e quando não concordava com o
final da história, ficava nervoso, bravo com os artistas, terminava xingando o
autor, dizendo que era ele que não prestava, que colocava maldade nos
personagens.
Aí pronto,
abria a boca fazendo o seu protesto.
__ Esse autor
é um miserável, matou quase todo mundo do filme e no final o bandido ainda
terminou livre, rindo das caras dos idiotas que estão assistindo, que somos nós
mesmos KKKKKKKKKKK.
Acaba
que ele ri dele mesmo, mas em geral o que deixa o senhor Juca furioso até mesmo
incrédulo é as crueldades dos personagens. Ele não entende onde o autor vai
buscar tanta maldade com requintes de violências envolvendo a protagonista, mas
mesmo assim não arreda o pé diante da televisão, indignado, ora fala mal dos
artistas, ora se emocionava penalizado com o destino da personagem, porém só
tem um tipo de filme que o senhor Juca não gosta, ele se recusa vilmente a
assistir esse gênero de filmes, é os de vampiros, esse tipo de filme o
impressiona tanto, a ponto de tirar-lhe o sono. Não gostava de ver nem as
chamadas desse filme em comerciais, só em ver os vampiros na telinha ia pra
cama assustado com medo que os vampiros viessem chupar seu sangue, enquanto
dormia.
No entanto, não
era segredo pra ninguém que senhor Juca era mesmo um noveleiro de mão cheia,
não perdia uma só novela, discutia com os artistas, travando longas
conversações. Gritava, ficava nervoso, injuriado dizia que não conseguia
entender como podia existir gente tão ruim, como na televisão.
Os filhos
ficavam preocupados com esse comportamento do seu Juca, ele não era uma pessoa
solitária, ao contrário era raro a sua casa estar fazia. O senhor Juca,
juntamente com sua saudosa esposa construíram uma família grande, esse tinha
sempre filhos e netos e agora bisnetos do seu lado pra conversar, mas quando
chegava à hora das novelas lá corria o senhor Juca para frente da televisão,
para contracenar com os artistas da novela.
__
Cabra safado, porque faz isso com a outra, desde o começo que eu sabia que esse
sujeito era falso!
Se a cena era
de romance ele ficava olhando o casal contracenando, de canto de olhos fingindo
que não estava prestando atenção, mas quando a cena era de intrigas ele ficava
irritado, só faltava mergulhar dentro da TV para se atracar com os artistas. Os
filhos, muitas vezes assustados com a atitude do pai, entrevia:
__ Calma pai,
isso é apenas uma novela!
Senhor Juca
ainda no calor da cena, respondia:
__ Eu sei que
é novela, mas assim como acontece na televisão, acontece também na vida real!
Vai me dizer que não existe gente safada como esse aí? Esse infeliz está
maltratando a menina, a pobrezinha está sofrendo e ninguém consegue prender
esse condenado, mas também olha a cara dele? Só não vê quem não quer, está
estampado na cara de fuinha desse sujeito, que ele não presta, mas também essas
moças de hoje confia em todo mundo, termina que acaba morrendo assassinadas nas
mãos desses cabras da peste! Resmungava o senhor Juca, inconformado com o
destino da protagonista da novela.
E era assim o
episódio inteiro, o senhor Juca não parava de falar, com os olhos vidrado na
televisão, se assustava quando o assassino se aproximava da mocinha, sentado na
ponta do sofá dá um pulo, chegando mais próximo da televisão, nervoso grita:
__ Hei moça,
cuidado! Não confia nesse rapaz, ele tem um mal para te fazer!
Porém, a cena
transcorre indiferente a vontade do senhor Juca, esse, desesperado com a
aproximação do assassino, seca o suor frio que teima em escorrer lhe pela
testa.
__ Não
adianta, esse bexiga vai matar a moça, eu não quero nem ver!
Fazendo de
suas palavras ação, o senhor Juca torna a sentar na ponta do sofá, de cabeça
baixa sem olhar pra tevê prevendo o desfeche da cena, inconformado balança a
cabeça, resmungando:
__ Eu não sei
como esse povo ainda cai nessa, não sabe nem de onde veio esse homem e já põe
pra dentro de casa e termina nisso, morrendo nas mãos de um sujeito que não
vale nada!
Os filhos,
apreensivos diante da irritação do pai, vem em seu socorro.
__ Pai, o
senhor precisa se controlar! Vai terminar tendo um ataque cardíaco por causa de
novela!
O senhor
Juca, de olhar atravessado, na lata torna a responder.
__ E vocês
acham que eu não sei que isso é novela! Mas existe gente também muito ruim na
vida real, a novela imita a vida! Ou vocês acham que isso não pode acontecer no
nosso dia a dia. E então eu acabo de conhecer uma mulher, não sei de onde ela
veio e levo pra dentro da minha casa! Só se eu fosse muito burro! Sabe-se lá o
que se passa no coração dessa mulher! Tem gente que eu vou te contar, procura a
desgraça. Hoje em dia não se pode confiar em ninguém!
Preocupados
com o jeito desarvorado do pai, os filhos aconselham:
__ Menos pai,
cuidado com o coração! Recomendava os filhos, preocupados com a saúde do velho
pai.
E assim ia
vivendo o senhor Juca, brigando e se emocionando com os personagens da tevê.
Chegava a ser cômico, o homem de pé em frente da televisão gritava
contracenando com os artistas, como se ele também fizesse parte da cena.
__ Cuidado
com esse homem de chapéu preto, é ele o assassino! Olha ele aí, está bem atrás
de você! Alertava seu Juca, bufando de ódio.
__ Olha pra
trás, olha pra trás seu burro! Mas esse cara é um idiota, um bocó mesmo.
Nisso,
só se ouvia o barulho dos tiros ressonando pela sala! Bam, Bam, Bam.
Por
algum momento o silêncio é geral, o senhor Juca abaixa a cabeça lamentando o
desfecho da trama, entristecido volta a se sentar no sofá, assim que se
recupera da emoção, torna a dizer com voz rouca:
__ Tai,
morreu, seu trouxa! Eu não falei pra você que aquele homem de chapéu preto não
prestava. Quem manda ser bobo! Parece cavalo atado na carroça, só olha
pra frente! Eu bem que te avisei não me ouviu! Diz o senhor Juca, decepcionado,
com as mãos nos cabelos em desalinho.
Mas não era
apenas com os artistas das novelas e filmes que o senhor Juca se enfezava.
Corintiano roxo xingava até a terceira geração do juiz, comandava a partida de
futebol do começo ao fim, aliás, os filhos do senhor Juca cresceram assistindo
o pai com um radinho de pilha no ouvido, conferindo os resultados da loteria
esportiva, pois todo final de semana estava lá o senhor Juca fazendo sua
fezinha e ai daquele que falasse na hora que ele estivesse pegando o resultado
do jogo.
__ Cala boca,
bexigas! Como se pode conferir o resultado do jogo com essas pestes
tagarelando!
De fundo, só
se ouvia a zebrinha com a voz da atriz Elke Maravilha, falando:
__ Olha eu
aí, deu coluna do meio!!!
O senhor Juca
voltava pro jogo, revoltado.
__ Zebra miserável,
porque tinha que aparecer, justo agora que eu estava ganhando!
Foi um alívio
para os filhos do senhor Juca quando inventaram os fones de ouvido, afinal o
senhor Juca podia pegar os resultados da loteria esportiva sem nenhuma
interrupção. Depois dos filhos adultos, após anos o senhor Juca apostando na
loteria ganhou alguns prêmios, o felicitando com alguns momentos de alegrias.
E assim
continua o senhor Juca até hoje, vivendo essa vidinha rotineira mergulhado no
mundo da tevê.
O que
tranqüiliza os filhos é que em por enquanto senhor Juca parece que sabe que
tudo que se passa na televisão é ficção. Os vizinhos e parentes que chegam em
visitas ficam impressionados com o jeito do seu Juca, uns dizem que ele estava
louco, outros dizem que ele é apenas um homem solitário. O senhor Juca tem a
família inteira a sua volta, no entanto sempre fugia para seu canto se
embrenhando no mundo da televisão, mas no fundo mesmo eu acho que o senhor Juca
é apenas um homem emotivo, que não esconde as suas emoções, é uma maneira de
mostrar ao mundo, que ele ainda esta vivo.
Dilma Lourenço Moreira
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